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Novo código gera confusão nos tribunais

leisNo primeiro mês do novo Código de Processo Civil, são mais as dúvidas do que as certezas. Operadores judiciários criticam aplicação das normas aos processos pendentes, sem suficiente debate. Mas também reconhecem boas soluções.

A aplicação do novo Código de Processo Civil (CPC) aos casos já em curso nos tribunais, e não apenas aos iniciados a partir de 1 de Setembro, quando o diploma entrou em vigor, está a gerar confusão nos tribunais. Ao fim do primeiro mês de convivência com regras completamente novas, magistrados e advogados criticam a pressa com que o Governo avançou com o Código, sem suficiente debate jurídico sobre como aplicá-lo, e apontam algumas omissões a uma lei que é estruturante na Justiça e cujo objectivo é resolver muitos dos seus problemas. Recorde-se que o CPC foi publicado a 26 de Junho, em Diário da República, para entrar em vigor a 1 de Setembro. Também há aplausos a muitas das soluções previstas, mas temem-se os conflitos e inevitáveis recursos.

‘Anda tudo aos papéis!’

«Anda tudo aos papéis!» – comenta ao SOL um advogado que defende um cliente num processo nas Varas Cíveis de Lisboa. O caso tinha o início do julgamento marcado para meados de Setembro – ou seja, ia arrancar já com uma base instrutória (os factos em causa) e lista de testemunhas definidas. Só que a ‘base instrutória’ desapareceu no novo CPC, chamando-se agora ‘temas da prova’, com outros critérios de definição. Invocando precisamente que o legislador não previu «um regime transitório especial que tivesse em consideração as especificidades do rito anterior», o juiz, antes de começar o julgamento, notificou as partes para se pronunciarem sobre o que fazer.

A saber: que destino dar à base instrutória e que testemunhas ouvir, tendo em conta que antes a lei previa que as partes indicassem até 20 testemunhas (sendo cinco por cada facto) e agora o CPC limita-as a metade (mas que podem testemunhar sobre todos os factos).

As respostas dos advogados variaram: um disse que cabia ao juiz decidir o que fazer e outro pediu o adiamento do julgamento, de forma a reabrir o debate sobre os factos e fixar os ‘temas da prova’. O juiz excluiu de forma liminar a possibilidade de se voltar atrás e anular actos já praticados e avançou para julgamento.

«Não tendo havido uma vacatio legis [tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor da lei] digna desse nome, a confusão sobre as normas aplicáveis aos processos pendentes é imensa», diz Paulo Saragoça da Matta. «As dúvidas são diárias, relativamente a muitas normas», acrescenta o advogado, dando exemplos: «O pedido de condenação do réu numa sanção pecuniária compulsória tem relevância para o valor da causa? Qual o regime a aplicar aos recursos pendentes (em termos de valor)? E como funciona em concreto a gestão activa do processo por parte do juiz?» Muitas destas questões, salienta, «poderiam ter sido aclaradas se tivesse havido suficiente debate». Isto já para não falar das «imensas gralhas» do diploma que podiam ter sido corrigidas.

Cabe aos juízes resolver

«A lei nova aplica-se aos processos em curso, mas não implica que se refaçam actos já praticados. Cabe aos juízes, em colaboração com as partes, compatibilizar harmoniosamente o que já aconteceu no processo com o que ainda vai acontecer», explica Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Logo nos primeiros dias de Setembro, Ricardo Sá Fernandes escreveu ao Ministério da Justiça e à Ordem dos Advogados, alertando para uma omissão «muito grave». O CPC impõe o uso obrigatório dos meios electrónicos para a comunicação entre os advogados e o tribunal – nomeadamente, através do sistema informático Citius. Só que este não existe nos tribunais superiores, nem se aplica nos processos administrativos e tributários. O CPC anterior permitia a remessa por correio ou por fax, mas a norma desapareceu no novo código. «Isto é, actualmente, onde não funciona o Citius, não há regra para a remessa das peças processuais por correio ou telecópia, o que irá gerar enorme controvérsia e insegurança». Como se tem resolvido, então, o problema? «Continuamos a actuar como se nada tivesse sido alterado», diz Sá Fernandes.

Mouraz Lopes discorda: «O próprio Código prevê soluções para as hipóteses em que o Citius não está disponível». E lembra que o acesso por meios electrónicos já é «generalizado».

Vasco Marques Correia, presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, recorda que não é bem assim: «É uma violência sobre os advogados mais antigos e àqueles que estão menos familiarizados com as novas tecnologias. Deveria ter havido um período mínimo de adaptação não inferior a seis meses». Criticando também o curto período entre a publicação e a entrada em vigor da lei, o advogado lembra que só na última semana de Agosto o Ministério da Justiça fez publicar vários diplomas complementares do CPC – «o que é censurável, além de atentar contra os princípios da boa aplicação da lei e da segurança jurídicas».

De resto, Marques Correia diz que o balanço geral do novo CPC, «embora merecendo à advocacia algumas fundadas preocupações, não é tão tremendista quanto se poderia julgar de início, havendo soluções merecedoras de aplauso» – dando como exemplos a fixação de prazos para as decisões dos juízes e «sobretudo a nova reforma da acção executiva [cobrança de dívidas]». Mas critica «a violência» das taxas de Justiça, agravadas, bem como as multas, e o aumento do poder dos juízes, «abrindo caminho a conflitos durante o processo».

in SOL | 30-09-2013 | Ana Paula Azevedo e Sónia Graça

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