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Crime de violação. 374 denúncias e apenas 90 condenados

violencia-domEm 2011, houve 374 participações por violação. Mas só 90 pessoas foram condenadas por esse crime.

O acto não tinha sido suficientemente violento. Foi esta a justificação dada pelo tribunal da Relação do Porto para, em Maio de 2011, absolver um psiquiatra acusado de violar uma paciente grávida de 34 semanas e que sofria de depressão. O tribunal entendeu que “o simples desrespeito pela vontade da vítima” não podia ser “qualificado de violência”.

No mesmo ano, outro tribunal da Relação absolveu um homem de violar a mulher com quem era casado por desconhecer se ela teria manifestado “que não consentia as relações sexuais”. Além disso, os juízes entenderam que “agarrar” e a “insinuação de agressão” eram sinais que “expressavam pobremente a violência empregue”.

Os casos que chegaram aos jornais juntam-se aos números. Se o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) mostra que em 2011 as polícias receberam 374 participações por violação, nesse mesmo ano só 129 pessoas foram acusadas e apenas 90 acabaram condenadas por esse crime, segundo dados enviados ao i pelo Ministério da Justiça. Embora as condenações de 2011 dificilmente digam respeito a processos instaurados nesse mesmo ano, os números mostram que o cenário não é diferente nos anos anteriores: em 2010, por exemplo, o número de participações às polícias foi superior – 424 – e o número de condenações ainda mais reduzido: apenas 78 pessoas tiveram de cumprir pena por violar alguém. Este foi também o ano em que apenas 101 processos deste tipo chegaram aos tribunais judiciais de primeira instância e em que apenas 115 pessoas foram acusadas por violação simples ou agravada.

Afinal, o que é preciso para provar um crime de violação? Segundo o advogado João Medeiros a maior dificuldade na produção de prova nestes casos deriva de o crime acontecer “dentro de quatro paredes”, ou seja, sem testemunhas, já que o violador ou é conhecido da vítima ou procura um local ermo para actuar. “O simples facto de se provar a existência de relações sexuais não mostra se elas foram ou não consentidas”, explica o penalista. A vítima fica ainda mais longe de provar que foi violada quanto maior for a proximidade entre si e o agressor. “Muitas das situações de violação são relatadas no contexto de relações amorosas que terminaram. Uma das partes não aceita o fim do relacionamento e às vezes com o pretexto de ir buscar qualquer coisa a casa acaba por forçar a relação sexual. Só que depois as testemunhas vão dizer que os conhecem enquanto casal e o juiz não sabe em quem acreditar”, exemplifica João Medeiros, para ilustrar que, em caso de dúvida, absolve-se sempre o réu.

Mesmo marcas de violência física, a menos que evidenciem “casos gritantes de espancamento” podem não convencer, já que o agressor, se for ex-namorado ou ex-marido da vítima, por exemplo, pode alegar que o casal gostava de práticas sexuais com violência à mistura. Na prática, é a palavra de um contra a palavra do outro.

A tarefa dos investigadores fica facilitada se o agressor não for próximo da vítima e se os vestígios biológicos tiverem sido conservados: nesse caso um simples exame do Instituto de Medicina Legal pode permitir fazer uma comparação de ADN e encontrar um perfil correspondente. Mas tudo se complica se a vítima se lavar depois de ser violada e antes de fazer os exames médico-legais, o que não é raro. “Temos acções de prevenção em escolas, em que explicamos a importância de se conservar as provas científicas. É muito frequente as vítimas irem logo tomar banho, numa tentativa de se livrarem do nojo daquele acto”, afirma João Lázaro, que substituiu Joana Marques Vidal na presidência da Associação de Apoio à Vítima (APAV).

Desistências Há casos arquivados na fase de inquérito porque não se consegue chegar ao violador. Mas também muitos casos arquivados porque as vítimas desistem do procedimento criminal. “Mesmo em julgamento não é uma situação rara. Mesmo que seja rápido, e à porta fechada, é sempre doloroso para a vítima recordar o que viveu”, esclarece Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Num estudo comparativo entre 11 países da União Europeia, desenvolvido em parceria com a Universidade Metropolitana de Londres, investigadores do Instituto Nacional de Medicina Legal debruçaram-se sobre 100 casos de violação, ocorridos entre 2004 e 2006, nas comarcas da Grande Lisboa. E chegaram a conclusões que ajudam a ilustrar os números oficiais do ministério: a taxa de condenações era “das mais baixas dos 11 países participantes” e em 39% dos casos o processo foi arquivado por desistência das vítimas.

Ao contrário do que acontece noutros países europeus, em Portugal a violação é um crime semipúblico. Ou seja, não basta que o Ministério Público tenha notícia do crime, é preciso que a vítima apresente queixa. “Aqui o princípio que impera é a vontade da vítima. Se entender que não quer passar por esse processo tem o direito de não passar”, explica Rui Cardoso.

Falsas denúncias Nenhum dos operadores judiciários ignora outro factor: as falsas denúncias. António Rodrigues, advogado de algumas das vítimas do Violador de Telheiras, está convencido de que “a maior parte das denúncias são falsas”. “São usadas como meios para atingir fins”, resume. O mais frequente é essa queixa ser usada no meio de um processo de separação, de divórcio ou de disputa pela guarda dos filhos. Mas também acontece em estados psicóticos. E é, a par do rapto, uma das razões predilectas dos adolescentes, sempre que estão uns dias fugidos de casa e querem voltar sem ser castigados.

Mas também há o outro lado: o dos números ocultos. Embora entenda que as polícias e as estruturas médico-legais têm hoje uma melhor capacidade de resposta para estes casos e que processos como o da Casa Pia “causaram muito mais intolerância na sociedade à violência sexual”, o representante da APAV não tem dúvidas de que continuam a existir muitos casos de violação que não contam para as estatísticas. “Eu arriscaria que a criminalidade não participada é quase o dobro da participada”, diz João Lázaro”. “Nos crimes sexuais há sempre a vergonha de assumir. Fez-se progressos mas o percurso institucional continua a ser muito doloroso para a vítima”.

Para melhor tratar o problema, o fundamental, sugere João Lázaro, era entender a discrepância dos números. “Era preciso ter os números organizados de outra forma que não por anos. Fazer uma relação directa entre os processos que entram e a forma como terminam.”

in ionline | 04-02-2013 | Silvia Caneco

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