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Bancos já começaram a reestruturar dívidas dos clientes

dinheiroO cenário da reestruturação da dívida soberana portuguesa – processo que, naturalmente, se estenderia a outras entidades subnacionais, como grandes empresas e bancos, que tentariam melhores condições junto dos credores externos – ganhou força inesperada nas últimas semanas.

A nível interno, a uma escala microeconómica (empresas e pessoas e a sua relação com a banca doméstica), este tipo de mecanismo, que permite alívio imediato no fardo do endividamento, está a tornar-se “relevante”, aponta o Banco de Portugal (BdP).

Assim, os bancos e os seus clientes têm vindo a convergir para tentar minimizar a asfixia imediata provocada pela crise a estes últimos. É do interesse de ambas as partes que assim seja, reparam fontes do sector bancário. “O cliente alisa o seu perfil de pagamentos e o banco reduz o risco no seu balanço”, diz um dirigente do sector.

Resultado: no final de 2012, quase 6% do total de crédito bancário ou quase 20 mil milhões de euros do crédito concedido internamente terá sido alvo de alívio nas condições ou “marcado” nessa categoria por estar contratado com clientes nessa situação, indicam dados do BdP. Daí o valor elevado.

Em todo o caso, “em ligação com a tendência de aumento do incumprimento, a informação disponível aponta para que o fenómeno de reestruturação de créditos esteja a atingir proporções relevantes e que, apesar disso, persistam vulnerabilidades importantes no setor privado não financeiro, com destaque para as empresas”, assinala o banco central na apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira.

Apesar de, oficialmente, continuar a ser solução non grata para a República, a ideia de uma reestruturação tem vindo a fazer o seu caminho lá fora. Pela mão do Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, que por esse (e outros motivos), entrou em colisão frontal com a Comissão Europeia, sua colega na troika.
A hipótese ganhou ainda mais força esta semana, depois de dois banqueiros – Ricardo Salgado, do BES, e José Maria Ricciardi, do BESI – se questionarem se o país não terá de pensar nisso caso a recessão/estagnação se prolongue.

“Será que a dívida portuguesa é sustentável e vamos poder viver sem uma reestruturação da dívida?”. “Esta é a grande questão que vai ter que ser respondida. E aqui há o problema dos juros, que quanto a mim poderia ser revisto, uma vez que as taxas de juro estão em queda e que a Europa deveria ter em consideração essa realidade”, disse Salgado, na conferência do JN, na segunda-feira.

Numa entrevista ao Jornal de Negócios, dois dias depois, o seu primo Ricciardi disse: “não acho nada que seja preciso reestruturar a dívida”. “Só será necessário se nós até ao início de 2014 não tivermos investido este ciclo de recessão. Aí começa a ser inevitável”.

De volta à economia real
Segundo o banco central, pode ocorrer reestruturação (alteração de condições contratuais entre bancos e clientes) quando se verificam fenómenos como “extensão do período de pagamento, redução da taxa de juro e introdução de períodos de carência devido a dificuldades financeiras do cliente [do banco]”.

Um cliente está “em dificuldades financeiras quando uma dada obrigação financeira para com a instituição não tenha sido cumprida ou caso seja previsível que não o venha a fazer" devido a fatores como: “incumprimentos”, “devolução e inibição do uso de cheques”, “degradação acentuada da classificação interna de risco”, “dívidas ao fisco e segurança social, interpelação de garantias bancárias, falência, insolvência, processos judiciais e situações litigiosas, salários em atraso, penhora de contas bancárias”.

O fenómeno está a ser mais intenso no segmento do crédito ao consumo (11,5% do total respetivo, no final de 2012) e menos no ramo habitação (1,8%). O BdP está a seguir a situação. “A evolução destes créditos reestruturados continuará a exigir um acompanhamento próximo, no atual quadro económico exigente sobre a qualidade do crédito no sistema.”

E o que pode acontecer à República?
A nível soberano, a reestruturação de crédito pode e deve acontecer naturalmente, defende Teodora Cardoso, a presidente do Conselho das Finanças Públicas. Ativar essa situação é que não. “Se tivermos acesso aos mercados em boas condições podemos emitir dívida em melhores condições para pagar a que está em piores condições. Tudo isso vem do próprio movimento natural das coisas.”

A ex-administradora do BdP insurge-se, no entanto, contra declarações, como as de Salgado, que insinuam a eventual necessidade de um alívio das condições atuais para fazer face à crise. “Se virmos os resultados [do caso grego], não produziu propriamente grandes efeitos nas taxas de juro, nem no próprio saldo da dívida. No fundo, para ser negociada desde logo exige também um programa credível para os credores.” Mais: “É mau alegarmos esse argumento porque isso mostra que nós não estamos a ter confiança no nosso próprio ajustamento”, responde a economista.

Em fevereiro, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, repudiou o termo. “Temos de ser muito cuidados com a utilização da linguagem. Qualquer deriva nesta área é perigosa”, disse no Parlamento quando Honório Novo, do PCP, o acusou de estar a negociar uma reestruturação com o alargamento das maturidades para os reembolsos dos empréstimos da troika.

“Declarações dessas, vindas de banqueiros, são no mínimo insólitas e não são inocentes. E se é o que estou a perceber, já surgem tarde de mais”, atira José Castro Caldas, professor de Economia da Universidade de Coimbra e coordenador do grupo técnico da “Auditoria Cidadã à Dívida”. “Penso que Ricardo Salgado está a falar, em primeiro lugar, da dívida soberana, está a falar como grande credor do Estado que é. Está, naturalmente preocupado com a recessão e o agravamento desta crise, que se prolongará por muitos anos”.

“Depois, estará também a pensar numa lógica de devedor. Se a reestruturação se materializar a nível soberano, ela transmitir-se-á naturalmente às entidades subnacionais. Os bancos estão nesse grupo, podem também vir a beneficiar de melhores condições junto dos seus credores”, observa.

Segundo o economista, a reestruturação implicará alterações como a redução da taxa de juro fixada, o alongamento dos prazos de reembolso - as maturidades -, a possibilidade de um maior período de carência ou, numa versão mais profunda, como na Grécia) ou a redução do valor em dívida, o famoso “haircut”.

in Dinheiro Vivo | 11-06-2013

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